Eu sempre gostei de crianças. Eu sei que
elas podem ser bem chatas, às vezes, especialmente em um determinado período da
vida, mas, mesmo assim, eu gosto. Não sei bem o que é... talvez seja a pureza;
a ideia de que podem fazer tudo o que quiserem, desprezando os limites bobos da
realidade; ou talvez seja pelo fato de que vivem acreditando que o maior mal do
mundo é o monstro que vive debaixo da cama, quando os pais não estão por perto.
Esse amor, essa admiração que tenho
pelas crianças, chamou a atenção de muita gente por parecer recíproco. Eu sorrio
pras crianças e elas, mesmo que nunca me tenham visto, sorriem de volta. Às vezes,
os pequenos são os primeiros a sorrir e, contrariando o que normalmente
acontece – eles não se importam com convenções ou “normalidades” -, muitas
vezes, eles é que mexem comigo, me provocando pra uma brincadeira.
E foi assim que aconteceu com essa
garotinha. Um aninho, talvez pouco mais ou menos, ela estava no seu carrinho,
olhando, admirada, para toda a gente daquele shopping. Eu passei pela frente
dela ao entrar na fila pra comprar o meu lanche, e a olhei. Assim que nossos
olhos se encontraram, ela sorriu. Um sorriso lindo, daqueles que desarmam uma
alma pesada. Involuntariamente, sorri – pela primeira vez naquele dia - de
volta.
Deduzi que os pais dessa criança estavam
naquela fila. Três casais e mais algumas pessoas avulsas que poderiam, com toda
naturalidade, ser os pais da menina que, só não foi junto, porque o carrinho
não passaria por aquele pequeno espaço delimitado pelas faixas. A fila não
anda. Uma das atendentes está em treinamento. Isso me irritaria, se a garotinha
não tivesse roubado a minha atenção pra si, me fazendo esquecer o motivo pelo
qual eu estava sozinho naquele shopping.
“Papa”, ela grita, naquele jeito de quem
está aprendendo a falar. A voz soa doce. Ela não está preocupada com nada, não
está pedindo atenção. Ela diz isso e continua olhando para os lados, como se
fosse só pra exibir suas recém-adquiridas habilidades da fala.
Um dos primeiros garotos da fila, de uns
16 anos, acompanhado daquela que deveria ser sua namorada, olhou para trás,
também despreocupado – os pelos da barba que ele tenta deixar crescer nem
engrossaram, e ele está gastando o fim da tarde de um sábado no shopping, com a
namorada. Quais poderiam ser as suas preocupações? – e fez uma careta para a
criança. Normalmente, isso tem o poder de assustar os pequenos. Mas, essa menina
era muito calma, e sorriu de volta, e arrancou do garoto um sorriso igualmente
lindo em pureza e amor. Efeito cascata, eu também sorri. Mais uma vez.
“Amor, eu vou procurar um lugar para a
gente sentar”, foram as palavras da namorada que, agora que vi o rosto, pareceu
uma menina de uns quinze anos, ou pouco mais. Ela também tinha um olhar calmo,
e eu achei que conhecia aqueles olhos de algum lugar. O rapaz se virou e, ainda
sorrindo, disse que tudo bem, numa voz juvenil, mas firme.
A namorada deu a carteira, que guardara
na bolsa, ao jovem, e foi saindo. Ao se aproximar de mim, ela disse “vamos,
bebê?”, com uma voz carinhosa e levou o carrinho. A criança se virou, e,
olhando para cima, sorriu para a menina. Para a mãe. Os olhos da jovem de 15
anos eram os mesmos da criança de um. Quando a menina disse “papa”, mais cedo,
o jovem atendeu ao chamado da filha, e brincou com ela.
O garoto, que agora eu via como um
grande homem, pagou a conta, fez uma brincadeira com a atendente em treinamento
e, ainda com o sorriso que derreteria corações de gelo, partiu, com o lanche,
para onde estava a sua família. Provavelmente, os avós da menina os buscariam,
mais tarde e, tranquilos, eles iriam para casa cuidar de suas vidas. Aquele
homem, aquela mulher, e a filha.
De repente, a noite se iluminou e a
pergunta mudou: que problema tenho eu, esse moleque, para estar tão
mal-humorado no início da noite de um sábado?