domingo, 8 de setembro de 2013

Enquanto o domingo durar

Domingo amanheceu leve. Ou eu acordei leve no fim da manhã de domingo. Talvez seja a tequila ainda passeando no meu sangue; talvez seja o peso que esqueci (ainda bem!) de trazer de volta pra casa.

O sol calmo entra pela janela do quarto, trazido pela brisa que balança as cortinas rendadas. O cheiro de casa limpa mostra que alguém acordou mais cedo e botou tudo em seu devido lugar, mudando algumas coisas aqui e ali e jogando outras fora.

Talvez seja verdade que nada dure pra sempre, mesmo que as promessas da etiqueta digam o contrário. Talvez as coisas acabem assim como começaram, especialmente se começaram de um susto. Algumas outras coisas precisam ser esquecidas em um canto escuro do quarto para que, quando reencontradas, voltem a ter seu valor. Ou despertem ainda maior estima.

Eu espero te reencontrar em qualquer canto.

E que sejamos, mais uma vez, como fomos.


Até lá, aproveitarei o meu domingo enquanto ele durar nesse clima amigável. Enquanto a calma não me tirar do sério; enquanto eu puder; enquanto eu não precisar colocar meus pés pra fora de casa. Aproveitarei o meu domingo enquanto a segunda-feira não chegar com você e todo o seu movimento.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Última Rosa

- Não dá pra ser amigo de alguém que não me compreende.

- Se for assim, que seja! Eu nunca vou apoiar a ideia de você desistir de si mesmo. Desista de todo o resto, inclusive de mim, mas não desista de você.

- Já desisti de mim! Mas é claro que você não percebeu.

- Você é que não percebeu que não é fácil assim abrir mão de si próprio.

- Não vou prolongar essa conversa, tô muito cansado. Não me procure. Nunca mais.

***

Você sempre se – e me – perguntou sobre como seria o seu enterro. Quem choraria, quem gritaria mais. Alguém faria um escândalo? Mais importante: quem estaria lá? Bom, amigo, eu estava. Você não me viu, com seus olhos fechados, deitado no meio da sala, mas eu estava lá. Um estranho no meio da sua família ou a sua família entre todos aqueles estranhos. Fiquei sabendo pelos jornais. Não foi uma morte digna de manchetes – afinal, não foi nada tão incomum assim –, mas você sabe, eu trabalho com jornais e o seu nome apareceu no obituário de um deles. Com um golpe forte no peito, meu coração parou por um segundo e me faltou o ar. Suspirei alto e uma lágrima indecente foi a última denúncia de que algo ruim acontecia. Não houve quem ousasse tentar me segurar. Deixei o trabalho e corri para o cemitério em que você foi velado. 

Você sabe como eu odeio cemitérios. Não é medo, já te expliquei. É a dor acumulada em cada mínimo pedacinho daquela terra que me incomoda. E foi chorando minha própria dor que eu te vi de longe, através das lentes dos meus óculos de sol, que eu usava ainda que chovesse. Tenho certeza que você gostaria de saber que até o céu chorou nesse dia. Acho que também gostaria de saber que a primeira pessoa que eu identifiquei foi o seu pai. Ele ficou ali, com a mão sobre a sua, o tempo todo. Não o vi chorar, mas faltava o brilho em seus olhos. A sua mãe chorava calada, de cabeça baixa, a dor que você não acreditava que ela sentia. 

Aqueles que você acreditava serem os seus reais amigos não estavam lá. Só os mais errados. Aqueles que não te entendiam, que tentavam te tirar de casa quando você só queria se esconder debaixo das cobertas, que te chamavam à razão quando você preparava uma loucura. Aqueles que te acertavam com um golpe quando você pensava em desistir. Aqueles que não estavam por perto no seu último ato dessa peça com péssimos atores. 

Deixei com você minha última rosa vermelha. 

Eu não vou te visitar. Esse lugar não é pra mim. Mas você e eu somos um só, lembra? Uma parte de mim morreu com você. Mas outra parte sua vai, pra sempre, viver comigo. 

***

- Eu sinto muito por isso acabar assim. E espero que você não se arrependa. Te adoro, rapaz.

sábado, 27 de outubro de 2012

Covardia


Eu quero você. Sempre quis, desde o primeiro dia em que nos vimos. Não sei o que foi, mas algo em você me chamou a atenção à primeira vista. Não foi amor, mas sei que foi um tipo de atração bem forte. Muito forte. Mas esse seu jeito que não deixa transparecer o que é de verdade, sempre quieto, calado, no seu canto, me impedia qualquer movimento. Você já me deixou louco, sabia?

Mas não importa mais. Eu quero você. Quero te ter aqui, comigo. Quero dividir, com você, tudo o que guardei pra mim durante esse tempo. Quero que você seja a pessoa que vai me tirar desse mar de mesmice no qual me afundei. Me salve da lama e, com sua boca na minha, me devolva o ar.

Também quero ser o seu salvador. Quero ser aquele que vai te abraçar e dizer que pode durar pra sempre. Quero ser o cara que vai te deixar com vergonha com uma piada boba. Quero ser a companhia que vai te levar ao cinema e acabar com todo o refrigerante. E também aquele que vai brigar pelo chocolate.

Quero que você seja a primeira pessoa com quem eu vá dividir o meu mundo.

Mas eu sou um covarde. Não sei dar o primeiro passo. Preciso de um sinal - uma coisa boba, mas que me faça ter ideia de até onde posso chegar. Eu não quero ultrapassar a fronteira que pode quebrar o que quer que seja isso o que temos agora. Continuo louco.

sábado, 15 de setembro de 2012

Meia-noite, vinte e sete graus


Calor dos infernos. Vinte e sete graus, e já é quase meia-noite. De dia, a sensação deve ter batido uns quarenta, fácil! Essa cidade... o que eu ainda faço aqui? Nasci pra morar em um lugar frio. Em dias comuns e situações normais, eu já suo bastante. Hoje, nem o ventilador ligado direto na minha cara impede o suor de rolar por todos os lugares. Sim, todos.

Eu devia fazer algo mais pra me mudar. Pro sul deste país tropical ou pro norte deste mundo. Pensando bem, mil e quinhentos quilômetros não são suficientes pra me distanciar desse calor; do vazio, da insegurança, da dúvida. Não são o suficiente pra me separar de mim. Fico com o norte. Com o desconhecido.

Preciso de uma nova perspectiva. Preciso olhar pra minha vida de fora. Preciso saber se sou tão bom em analisar meus próprios erros e encontrar soluções, como sou bom em solucionar os problemas dos outros – aparentemente isso só funciona pra mim, mas ainda assim.

Pode parecer que eu sei bem o que estou fazendo, mas não é bem por aí. Geralmente, eu só faço - depois é que penso no que está acontecendo. Eu finjo bem, esse é o segredo - fake it until you make it.

Mas eu preciso de um tempo da minha vida. Preciso respirar até poder encarar tudo isso de novo. Estou exausto desse mesmo ar quente e seco de sempre. Mudanças. É disso que preciso. Em relação a tudo. Preciso mudar de casa, de cidade, de país e continente. Preciso mudar meu jeito de levar as coisas, minhas prioridades, minhas roupas, meu corte de cabelo.

Eu preciso mudar até me redescobrir.

Ou talvez eu só precise de chuva pra poder respirar melhor.

domingo, 19 de agosto de 2012

Pais e Filhos


Eu sempre gostei de crianças. Eu sei que elas podem ser bem chatas, às vezes, especialmente em um determinado período da vida, mas, mesmo assim, eu gosto. Não sei bem o que é... talvez seja a pureza; a ideia de que podem fazer tudo o que quiserem, desprezando os limites bobos da realidade; ou talvez seja pelo fato de que vivem acreditando que o maior mal do mundo é o monstro que vive debaixo da cama, quando os pais não estão por perto.

Esse amor, essa admiração que tenho pelas crianças, chamou a atenção de muita gente por parecer recíproco. Eu sorrio pras crianças e elas, mesmo que nunca me tenham visto, sorriem de volta. Às vezes, os pequenos são os primeiros a sorrir e, contrariando o que normalmente acontece – eles não se importam com convenções ou “normalidades” -, muitas vezes, eles é que mexem comigo, me provocando pra uma brincadeira.

E foi assim que aconteceu com essa garotinha. Um aninho, talvez pouco mais ou menos, ela estava no seu carrinho, olhando, admirada, para toda a gente daquele shopping. Eu passei pela frente dela ao entrar na fila pra comprar o meu lanche, e a olhei. Assim que nossos olhos se encontraram, ela sorriu. Um sorriso lindo, daqueles que desarmam uma alma pesada. Involuntariamente, sorri – pela primeira vez naquele dia - de volta.

Deduzi que os pais dessa criança estavam naquela fila. Três casais e mais algumas pessoas avulsas que poderiam, com toda naturalidade, ser os pais da menina que, só não foi junto, porque o carrinho não passaria por aquele pequeno espaço delimitado pelas faixas. A fila não anda. Uma das atendentes está em treinamento. Isso me irritaria, se a garotinha não tivesse roubado a minha atenção pra si, me fazendo esquecer o motivo pelo qual eu estava sozinho naquele shopping.

“Papa”, ela grita, naquele jeito de quem está aprendendo a falar. A voz soa doce. Ela não está preocupada com nada, não está pedindo atenção. Ela diz isso e continua olhando para os lados, como se fosse só pra exibir suas recém-adquiridas habilidades da fala.

Um dos primeiros garotos da fila, de uns 16 anos, acompanhado daquela que deveria ser sua namorada, olhou para trás, também despreocupado – os pelos da barba que ele tenta deixar crescer nem engrossaram, e ele está gastando o fim da tarde de um sábado no shopping, com a namorada. Quais poderiam ser as suas preocupações? – e fez uma careta para a criança. Normalmente, isso tem o poder de assustar os pequenos. Mas, essa menina era muito calma, e sorriu de volta, e arrancou do garoto um sorriso igualmente lindo em pureza e amor. Efeito cascata, eu também sorri. Mais uma vez.

“Amor, eu vou procurar um lugar para a gente sentar”, foram as palavras da namorada que, agora que vi o rosto, pareceu uma menina de uns quinze anos, ou pouco mais. Ela também tinha um olhar calmo, e eu achei que conhecia aqueles olhos de algum lugar. O rapaz se virou e, ainda sorrindo, disse que tudo bem, numa voz juvenil, mas firme.

A namorada deu a carteira, que guardara na bolsa, ao jovem, e foi saindo. Ao se aproximar de mim, ela disse “vamos, bebê?”, com uma voz carinhosa e levou o carrinho. A criança se virou, e, olhando para cima, sorriu para a menina. Para a mãe. Os olhos da jovem de 15 anos eram os mesmos da criança de um. Quando a menina disse “papa”, mais cedo, o jovem atendeu ao chamado da filha, e brincou com ela.

O garoto, que agora eu via como um grande homem, pagou a conta, fez uma brincadeira com a atendente em treinamento e, ainda com o sorriso que derreteria corações de gelo, partiu, com o lanche, para onde estava a sua família. Provavelmente, os avós da menina os buscariam, mais tarde e, tranquilos, eles iriam para casa cuidar de suas vidas. Aquele homem, aquela mulher, e a filha.

De repente, a noite se iluminou e a pergunta mudou: que problema tenho eu, esse moleque, para estar tão mal-humorado no início da noite de um sábado?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Coleção de pontos finais


Então é isso? Acabou mesmo? Assim? Sem direito a despedida ou últimas palavras? Sem direito a entender em que estrada viramos errado pra que chegássemos até aqui? Sem que eu saiba como é que, em um dia, você está bem do meu lado e no outro... bom, no outro, eu não tenho ideia de onde está ou, nem mesmo, de quem é?

Pelo visto, sim, é isso mesmo.

Mais um. Mais um ponto final daqueles chatos, intrusos, que se enfiam onde bem entendem. Daqueles que dão fim a uma frase ainda.

Ainda inacabada. 


Mais um pra minha coleção que, se fosse de qualquer outra coisa, seria invejável. Mas essa é, e eu não consigo fugir, a minha especialidade.

Minha e da minha mania masoquista de entregar o meu coração às pessoas assim, logo no início: “prazer em conhecê-lo! Aqui vai o meu coração; faça dele o que lhe convir”. Bom, e fazem. O que bem entendem. Quando querem. Eu sei, eu pedi por isso.

Mas, e você? Pensei que fosse fazer diferente; pensei, por um segundo, que meu coração estaria um pouco mais seguro em suas mãos. Que, no fim, quando se cansasse dele – e de mim – o devolveria ao meu peito, e não que o deixaria ao relento e me fizesse buscá-lo, aos cacos. Mas não se preocupe: ele já se quebrou vezes o suficiente pra eu saber que há conserto.

Algo me diz que eu deveria ir atrás, descobrir os motivos e ver se ainda há solução. Mas tem um outro sentimento que me impede. E eu já ignorei esse sentimento uma vez, e essa atitude só me levou até a sua voz fria e desinteressada, ao telefone. Não, isso não é pra mim; tomei uma nova dose de orgulho e, bem ou mal, ela me conforta, pelo menos por agora. Talvez eu tenha dor de cabeça, amanhã. Se bem que eu nem sou de ter ressaca.

Qualquer coisa que aconteça, eu estarei aqui, onde você deixou meu coração, fazendo o possível para remendá-lo, como tantas vezes antes. Você, se sentir a necessidade, pode vir; sabe muito bem como me encontrar. Quando chegar, te mostrarei onde está a sua assinatura: marcada na cicatriz que deixou. E, talvez aí, possamos conversar. Até lá, os efeitos daquela dose já deverão ter passado.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amoras & amores



Dona Juju gostava das janelas abertas em dias de sol. Clareava o piso ressecado que, em dias frios, trazia um adereço carinhoso: as meias de João que cuidava, nas pontas dos dedos, a curiosidade da chuva que a janela trazia. Seus olhinhos procuravam no céu cinza, sem estrelas cor de leite, essas que se escondem de dia, um presente para a sua infância amarga. Até que, entre os tristes pingos, ele percebeu na casa ao lado, outros olhinhos.

Os outros olhos estavam molhados. Mas não daquela água salgada. Se molharam na chuva que, daquele lado do muro, caía sapeca, brincando com os olhos castanhos, os cabelos longos e os dedinhos dos pés descalços da menina que era doce e sal em equilíbrio, com uma leve pitada de pimenta e sorriso vivo.

Desprendeu em si uma ternura encantada. Nunca vira tantas cores. Era mágico comer com os olhos a textura do querer. O dedo do pé encolheu-se na tentativa de alcançar melhor todo aquele loiro molhado. O canto da boca cedeu um sorriso frouxo e inocente. Parecia feitiço de abracadabra e puft!, caiu da janela de uma forma que nem eu, narrador, entendo.

É claro que não entende! Você não estava do lado de cá do muro e não sabe do que essa menina é capaz. A dança, coordenada com as gotas d’água, que lhe proporcionam esse brilho enigmático, ao som da risada que é pura melodia, calaram a consciência do menino bobo. E ele desejou, mesmo que não soubesse, exatamente, o que era isso. O nome dela é Iara. Isso te diz algo?

Um aroma salgado se espalhava da cozinha ao quartos da casa. Coado o café e adoçado um suco de amora. Dona Juju aprontava-se a chamar João. Um canto alegre e cozido, comedido, anunciando que os bolinhos primavera estavam prontos. Não o encontrou no quarto. Desesperou-se. “Em dias de chuva, não saia de casa, nem mesmo para a área dos fundos ou para a garagem”! No abrir da porta, apressada pela preocupação, encontrou o menino de pedra balançando nas ondas da menina chuva que fechava o inverno.

O menino só observava. Bobo.
A menina dançava e sorria. Sapeca.
E o amor florescia. Potente.

Brunno Falcão & Yago Rodrigues